quinta-feira, 26 de junho de 2008

O que "quase" quer dizer no futebol?

Por Guilherme Amorim de Souza

Isso é relativo, talvez até muito relativo, mas depois do jogo de ontem, não consigo parar de pensar sobre o assunto.


Refiro-me, claro, ao jogo entre Alemanha (3) e Turquia (2) pela Eurocopa 2008. Simples, porque não consigo entender certas coisas no futebol — ninguém consegue.

O jogo foi surpreendente desde o começo, não de um jeito impossivelmente surpreendente, mas apenas o suficiente para ser delicioso de assistir. Primeiro pelo espírito que possuem aqueles turcos, um espírito que o futebol gosta, até ama de vez em quando, mas às vezes acaba esquecendo-se dele. Foi o caso de ontem.


Não que a Alemanha merecesse ficar pelo caminho. Mas fato é: com certeza, os turcos não mereciam. Não simplesmente por tudo que fizeram até ali, mas pelo que fizeram por estarem ali. Mesmo que qualquer pessoa com a sanidade em ordem, ao ver, no canto alto da tela, que o jogo era de alemães contra turcos, facilmente poderia pensar que seria um "passeio" da Alemanha em campo. Isso valeria (vale) para qualquer pessoa com a sanidade em ordem que não conhecesse aqueles turcos. O time que entrou, de vermelho, em campo ontem não era qualquer time, era um time que mostrou para a Europa, e para o resto do mundo, o que significa acreditar de verdade.
O time turco não tem grandes jogadores, mas cada "pequeno" jogador que veste aquela camisa compensa tudo com coração. Um coração que poucas vezes caminha lado a lado com uma grande habilidade — ao menos não por muito tempo.
A Turquia jogar de igual para igual com a Alemanha não é uma coisa que se vê todo dia. Ver a Turquia jogar de igual para igual com a Alemanha, numa semi-final de Eurocopa com 10 jogadores a menos no elenco, é do tipo de coisa que só acontece uma vez na vida. E aconteceu.
E talvez as coisas corressem de forma diferente caso a Turquia estivesse sem nenhum desfalque. Se a Turquia houvesse se classificado de uma forma mais fácil, menos vibrante, menos impossível, talvez as coisas fossem completamente diferentes; talvez a Alemanha aplicasse a goleada que se imaginou.
Mas a Turquia tinha os seus 10 desfalques, tinha vindo de um jogo duro com a Croácia onde a coisa só se resolveu nos pênaltis e tinha também a alma de um time que simplesmente lutava por e para continuar lutando. Não que a Turquia não almejasse o primeiro lugar na competição, mas é que o momento sempre pareceu ser o mais importante aos olhos dos homens de vermelho. E isso simplesmente talvez porque houvesse sempre a possibilidade, por mais remota que fosse, de ir além. É fácil, pensando dessa forma, imaginar que aquele time poderia facilmente entrar em campo com o número mínimo (sete) de jogadores, e jogar um bom jogo, de cabeça erguida, e com a bola no pé. Ficou claro que a seleção turca fez o que pode na Euro, mas também fica o que aconteceria se o "quase" não se interpelasse à trajetória desse time. Quem sabe o que aconteceria?
Eu respondo: "Em se tratando da Turquia, qualquer coisa poderia acontecer!"
Mas então, como esse "quase" vai ecoar nos pensamentos das pessoas que se lembrarem desse jogo em alguém dia no futuro?
Provavelmente — principalmente se a Alemanha levantar a taça no final e não houver outro "quase" interferindo — o "quase" milagre turco há de sobreviver em frases como: "Lembra da Alemanha em 2008, que time. Lembra de como foi o jogo contra a Turquia na semi? Ah, que jogo!". Ao menos é isso que eu espero, e o mínimo que aqueles homens que defenderam a bandeira turca merecem pelo coração que traziam consigo durante tudo o que fizeram na Eurocopa. Mas os anos e os "não-quase" tão dignos ao futebol provavelmente tornarão a ode turca numa espécie de memória incompleta, daquelas que flutua na superfície do pensamento, mas que nunca chega a se concretizar. Então é possível que toda a luta dos turcos para fazer o que fizeram — e que infelizmente não puderam concretizar — acabe desaparecendo dos grandes comentários futuros sobre o que foi a Copa de 2008.

Parando para pensar, é possível que encontremos muitos outros "quases" dentro do mesmo torneiro que foi a Eurocopa; é disso que vivem os mata-matas. Essencialmente pela coisa mais bela que compõe as Copas de toda a dramaticidade que costumam ostentar. Houve o "quase" da Suécia, o da Holanda, o da Itália (apesar de esse não merecer ser lembrado), o de Portugal (ah, melhor sorte ao Felipão no Chelsea, ele merece), e alguns outros que não se fizeram tão notáveis.
Pois no fundo e na verdade o futebol se embebe desses milagres e dessas tragédias, os sucessos e insucessos trocam de lugar tantas vezes numa mesma partida e num mesmo tempo que é difícil não ser austero ao julgá-los com o passar dos anos. É aí que reside boa parte de sua mítica fulgurante dentre todos os esportes. Por isso a Alemanha merece os parabéns, pois venceu, e isso, mesmo às vezes podendo deixar de ser o maior mérito, acaba sendo o que conta nas histórias que o futebol nos narra com tanto prumo. A Alemanha venceu e mereceu a vitória, pois no fundo e na verdade o futebol concede suas bênçãos àqueles que fazem o necessário no seu tempo, e foi o que todo o coração turco não foi capaz de fazer: vencer dentro do tempo da partida.
A Turquia, mesmo derrotada merece os aplausos de todo boleiro que se preze. Merecem pelo simples fato de que tiveram o coração de lutar seus jogos impossíveis e de vencer até quando o tempo os deixou.

Parabéns ao feito heróico — não de todo milagroso — dos turcos em sua caminhada na Eurocopa de 2008. Eles merecem.


Nenhum comentário: